Mais um dia de aula. E mais um dia em que a gritaria, o deboche, o desprezo e o desrespeito comandam o espetáculo denominado sala de aula. É a festa liderada por dois ou três alunos os soberanos das façanhas ousadas, os heróis corajosos que enfrentam as professoras com arrogância destemida, no cotidiano das aulas. Aos poucos, outros seguem o exemplo, entram no embalo e a confusão aumenta. A aula, aos poucos, confunde-se com um vazio sem nexo. Não é uma aula. Não é uma festa. Não é nada! É o desmando.
A professora decide iniciar a aula, interfere – um bom-dia é dirigido aos alunos. Poucos ouvem e muitos ignoram. A seguir, a proposta da aula é comunicada. A maioria, entretanto, nem ouve. A professora se impõe e fala mais alto – para alguns é grito, desrespeito... É neste momento que os “líderes” agem com mais vibração. De forma descontraída, aos risos e gritos, circulam pela sala a pedir material emprestado, a segredar assuntos e a reclamar da professora, pois ela “grita com eles”...
Na tentativa de amenizar a confusão, a professora providencia o material que os alunos dizem ter esquecido – o lápis, a borracha, o caderno ou o livro-texto. Poucos momentos após – “achei meu lápis, meu caderno...”. O descaso invade o momento do saber – o desrespeito, o deboche e a farsa fazem da aula um mundo sem perspectivas.
Na verdade, a aula é comandada pelas artimanhas da “patrulha do faz de conta”. Então, através de alusões infundadas, de ameaças à professora, eles ignoram os conteúdos e as normas de convivência social – são os donos da situação. O restante da turma, refém da bagunça doentia, fica inerte, petrificado. A professora? Ah! Esta é mera figura decorativa.
Mas... e a aula, os conteúdos, o saber, onde é que ficam?
A ausência de ideais, de sonhos, de conquistas, anestesiam a vontade de muitos alunos e, desta forma, a violência mostra-se cada vez mais arrogante, ameaçadora e incontrolável, o que entrava o desenvolvimento cultural e assegura um rendimento escolar medíocre.
A sala de aula, hoje, é um espaço doentio, no qual o professor é torturado das mais diversas formas – verbal, gráfica e mímica, através de palavras, de gestos e desenhos obscenos e até sinistros. O aluno que não segue o “comando”, coitado, mesmo quieto, não passa ileso. É vítima desta turma – além da perturbação sonora, pouco ou nada aproveita da aula. Se é que este momento pode ser chamado de aula!
Este descontrole cultural e social terá alguma conotação com os resultados das avaliações em que o Brasil só tem atingido os últimos lugares? No teste do Pisa, de 2006, o Brasil conquistou o 52º lugar dos 57 países avaliados.
Janeta Pires ( professora)28/05/09 Artigo originalmente publicado no jornal Zero Hora.
terça-feira, 23 de março de 2010
Sua majestade, a criança
Tem se falado muito na falta de limites das crianças de hoje. A garotada manda e desmanda nos pais e estes, sentindo-se culpados pelo pouco tempo que ficam em casa, aceitam a troca de hierarquia – hoje os adultos é que recebem ordens e reprimendas, e não demora serão colocados de castigo.
Segundo os pedagogos, precisamos voltar a dizer não para a pirralhada. É a ausência do não que faz com que meninas saiam de madrugada sem avisar para onde estão indo, garotos peguem o carro do pai sem ter habilitação e todos sejam estimulados a consumir descontroladamente, a não dar explicações e a viver sem custódia. Mas onde encontrar energia para discutir com filho? Pai e mãe se jogam no sofá e pensam: “Façam o que bem entender, desde que nos deixem quietos vendo a novela”.
Alguns adultos defendem-se dizendo que é impossível dar limites, vigiar e orientar, tendo que sair de manhã para o batente e voltar à noite demolidos pelo cansaço. Compreendo, é complicado mesmo. Se existe uma liberalidade e agressividade maior hoje entre as crianças, é claro que o fato de as mulheres terem entrado no mercado de trabalho e deixado em aberto o posto de rainhas do lar tem algo a ver com isso. Mas nem me passa pela cabeça estimular um meia-volta, volver. A sociedade avançou com a participação das mulheres e esse é um caminho sem retorno. O que compromete o destino de uma criança é não ter sido amada. E muitas não foram, mesmo com os pais por perto.
Não adianta o pai e a mãe passarem a mão na cabeça do filhote de vez em quando e repetir um “eu te amo” automático. A criança precisa se sentir amada de verdade, e as demonstrações não se dão apenas com beijos e abraços, e tampouco com proibições sem justa causa. O “não deixo, não pode” tem que ser argumentado. “Não deixo e não pode porque....” Tem que gastar o latim. Explicar. E prestar atenção no filho, controlar seus hábitos, perceber seus silêncios, demonstrar interesse pelo que ele faz, pelo que ele pensa, quem são seus amigos, quais suas aptidões, do que ele se ressente, o que está calando, por que está chorando, se sua rebeldia é uma maneira de pedir socorro, se está precisando conversar, se o que tem sentido é demasiado pesado pra ele, se precisa repartir suas dores, se está sendo bem acolhido pela escola, se não estão exigindo dele mais do que ele pode dar, se não foram transferidas responsabilidades para ele que são incompatíveis com sua idade, se há como entender e aceitar seus desejos, se ele está arriscando a própria vida e precisa de freio, se estamos deixando ele sonhar alto demais, se estamos induzindo que ele sonhe de menos, se ele está recebendo os estímulos certos ou desenvolvendo preconceitos generalizados. Dá uma trabalheira, mas isso é amar.
MARTHA MEDEIROS
Segundo os pedagogos, precisamos voltar a dizer não para a pirralhada. É a ausência do não que faz com que meninas saiam de madrugada sem avisar para onde estão indo, garotos peguem o carro do pai sem ter habilitação e todos sejam estimulados a consumir descontroladamente, a não dar explicações e a viver sem custódia. Mas onde encontrar energia para discutir com filho? Pai e mãe se jogam no sofá e pensam: “Façam o que bem entender, desde que nos deixem quietos vendo a novela”.
Alguns adultos defendem-se dizendo que é impossível dar limites, vigiar e orientar, tendo que sair de manhã para o batente e voltar à noite demolidos pelo cansaço. Compreendo, é complicado mesmo. Se existe uma liberalidade e agressividade maior hoje entre as crianças, é claro que o fato de as mulheres terem entrado no mercado de trabalho e deixado em aberto o posto de rainhas do lar tem algo a ver com isso. Mas nem me passa pela cabeça estimular um meia-volta, volver. A sociedade avançou com a participação das mulheres e esse é um caminho sem retorno. O que compromete o destino de uma criança é não ter sido amada. E muitas não foram, mesmo com os pais por perto.
Não adianta o pai e a mãe passarem a mão na cabeça do filhote de vez em quando e repetir um “eu te amo” automático. A criança precisa se sentir amada de verdade, e as demonstrações não se dão apenas com beijos e abraços, e tampouco com proibições sem justa causa. O “não deixo, não pode” tem que ser argumentado. “Não deixo e não pode porque....” Tem que gastar o latim. Explicar. E prestar atenção no filho, controlar seus hábitos, perceber seus silêncios, demonstrar interesse pelo que ele faz, pelo que ele pensa, quem são seus amigos, quais suas aptidões, do que ele se ressente, o que está calando, por que está chorando, se sua rebeldia é uma maneira de pedir socorro, se está precisando conversar, se o que tem sentido é demasiado pesado pra ele, se precisa repartir suas dores, se está sendo bem acolhido pela escola, se não estão exigindo dele mais do que ele pode dar, se não foram transferidas responsabilidades para ele que são incompatíveis com sua idade, se há como entender e aceitar seus desejos, se ele está arriscando a própria vida e precisa de freio, se estamos deixando ele sonhar alto demais, se estamos induzindo que ele sonhe de menos, se ele está recebendo os estímulos certos ou desenvolvendo preconceitos generalizados. Dá uma trabalheira, mas isso é amar.
MARTHA MEDEIROS
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